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Começar do Zero (Após os 30)

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21
Mar17

A questão da eutanásia

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Quando era mais nova, com cerca de 10 anos, a questão da morte já me assolava. Não necessariamente de uma forma preocupante, mas depois de perder um avô, e entender que a morte significava que nunca mais iria ver essa pessoa, comecei a entender a relação vida-morte.

 

Tinha uma gata, ainda nova, e lembro-me de pensar que se algum dia ela morresse eu queria embalsama-la. Sei que é uma estupidez, mas, na altura, para uma criança, fazia sentido. Ela iria estar sempre comigo. Até um sítio pensei para a colocar.

 

Hoje, olhando para trás, vejo que era uma ideia rídicula e digna de uma verdadeira criança. Mas era já o início de algo que me preocupava, a morte.

 

Fui crescendo e nunca mais pensei nisso. Há cerca de 5 anos, um problema de cancro com a minha gata fez-me voltar a pensar no assunto. E os sentimentos eram já bastante diferentes. Uma "suposta amiga" estava a passar por algo semelhante e teve de abater o gato. Sofri por ela, e jurei que nunca seria capaz de o fazer. "Nem pensar. Nunca!", foram as minhas palavras.

 

Como estava errada...

 

 

Ainda não tinha chegado aos 30, quando me deparei com a decisão mais difícil da minha vida.

 

Esperava sentada, com o coração nas mãos, que a veterinária me chamasse. Quando ela apareceu, vi no seu rosto que a expressão não era a de sempre. Algo estava errado. Senti o coração pequenino mas enchi-me de coragem e seguia-a.

 

Mas nada me preparou para que o vi e ouvi a seguir. A minha gata, na altura com 21 anos, e depois de duas operações num espaço de dois meses, estava a sofrer. A veterinária, que me conhecia bem, explicou-me calmamente o caso, mostrou-me a extensão do cancro e deu-me duas alternativas: morfina e sei lá mais o quê para o resto da vida ou.... foi aí que a travei. "NÃO.". Foram estas as minhas palavras.

 

Sai da sala, respirei fundo com o rosto coberto de lágrimas, mas num espaço de segundos atingiu-me. Estava a ser egoísta. Queria-a comigo, para sempre, mas não assim. Não a conseguia ver mais a sofrer. Fui vê-la, abracei-a, dei-lhe os beijos todos que consegui e disse que voltaria com a decisão.

 

Meio maço de cigarros depois, dois pacotes de lenços e sentada no passeio de uma rua qualquer, sabia que não tinha outra alternativa. Não ia suportar. A dor de a ver partir eu teria de aguentar, ela é que não podia sofrer mais nem um segundo depois de tudo o que me deu durante quase toda a minha vida.

 

Decidi pela eutanásia. Nunca me senti tão sozinha no mundo como naquele dia. Sabia que ia perder metade de mim, mas tinha de o fazer por ela. Ela não merecia uma vida de mais sofrimento e já muito tinha ela aguentado.

 

A minha gata "adormeceu" para sempre nos meus braços. Acredito que partiu feliz, dentro dos possíveis, com mimo, chocolates (que sempre adorou), nos braços de quem escolheu como "a sua pessoa" aos três meses de idade e enrolada na manta preferida.

 

Apesar de esta ser a história de um animal, que para mim era muito mais do que muitas pessoas o são, a questão é a mesma. Eutanásia? Sim. Se nos animais é legal, porque não nos humanos, que têm forma de comunicar e dizer se realmente querem ou não?

 

Os animais não falam, não sabemos se são a favor ou não da morte assistida, e temos de ser nós, os supostos seres inteligentes, a decidir por eles. Mas não podemos decidir por nós próprios? Não faz sentido.

 

Quando não há margem para melhorias, quando a vida de uma pessoa, animal, seja o que for, é insuportável por motivos de doença irreversível, porque não acabar com o sofrimento deles? Porque manter a dor para quem sente e para quem está ao lado?

 

Hoje, aos 30, sou mais do que a favor da eutanásia e descobri que o egoísmo é o que nos separa de sermos a favor ou contra a morte assistida.

 

 

 

2 comentários

  • Imagem de perfil

    J 21.03.2017

    verdade...
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